Meu dia se resumiu a correria e desespero. Correria para arrumar a papelada toda para a matrícula da faculdade e desespero por não conseguir encontrar o certificado de reservista. Das 24 horas do meu dia, 8 passo no trabalho e 16 passo em casa - ignorando o tempo de trajeto casa-trabalho a fim de simplificar as partes menos importantes da história -. Das 16 horas em casa, 8 passo dormindo e em média 7h55 passo no fim de um corredor, um beco sem saída do qual eu me apropriei e batizei Dead End (nome mais cabível que esse, impossível). Lá, ou melhor, aqui - pois é óbvio que me encontro no Dead End neste momento - coloquei meu computador, a mesa do computador, a cadeira com rodinhas, um ventilador, um sofá, um armário de parede, minha cortiça e uma prateleira de madeira. Praticamente tudo que é meu está aqui, disposto do jeito que eu gosto; bagunçado e ao meu alcance. Na distancia de pouco mais do que um braço estendido, nada que a cadeira com rodinhas não resolva. Só o que falta para que eu crie raízes aqui e não deixe este lugar nunca mais é um geladeira. Ainda bem que aqui no Dead End não tem uma geladeira.
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Jo-Ken-Pokémon |
Cheguei do trabalho já ciente que a carteira de reservista estava desaparecida (minha mãe me ligou avisando que não a tinha encontrado) e parti para a busca assim que pus os pés em casa. Ela ficava em um dos compartimentos da prateleira, embaixo da caixinha de papelão de onde veio meu celular, metade embaixo e metade para fora, para que estivesse sempre visível. Dividindo o compartimento com um discman velho, a caixinha onde eu guardo dinheiro, algumas pilhas recarregáveis, alguns cd's, um copo com dados e meus cards do jo-ken-pokémon (coleção completa, a unica que consegui completar), a caixa do meu mp3, algumas notas fiscais, alguns carnês quitados, o recarregador das pilhas e duas argolas. Um bagunça não? Mas viu só como mesmo em meio a bagunça sei tudo que está ali? Minha prateleira é toda bagunçada, mas tenho conhecimento de tudo que há nela e de onde se encontra cada coisa. Minha "bagunça organizada" nunca foi um problema. Até, é claro, o sumiço da minha reservista.
A unica solução era, obviamente, por tudo abaixo e procurar minuciosamente. E foi o que fiz. Tudo foi ao chão e passou individualmente por minhas mãos antes de retomar seu lugar na prateleira (agora bem mais organizada, e é capaz que assim eu perca mais coisas). Sou um guarda-tralha assumido, tenho uma dificuldade imensa de jogar as coisas fora. Tenho a impressão de que tudo será útil um dia e tento me prevenir de futuramente me arrepender de ter jogado algo fora, o que obviamente, até hoje nunca aconteceu.
Por isso, na prateleira encontrei uma tonelada de coisas, um conteúdo um tanto diversificado: revistas do Pokémon (devia ter uns 12 anos quando comprava essas revistas), cadernos do ensino fundamental, livros do ensino fundamental, cadernos de desenho, milhões de folhetos de temas diversos, os pseudo-quadrinhos que eu costumava fazer na época que gostava de desenhar, o livro e as fichas do RPG cuja história nunca terminou, xerox de livros de literatura pedidos pelas professoras do ensino fundamental e médio; Iracema, Capitães de Areia, Vidas Secas, Morrer de Amor, Meninos Sem Pátria, Vida de Droga, entre outros. A maioria nem cheguei a ler, as professoras nunca conseguiam me obrigar a ler quando não queria, o gosto pela leitura veio bem depois.
Encontrei também livros didáticos do ensino médio, o tabuleiro do banco imobiliário, meus cadernos e xerox das matérias do técnico em Meio Ambiente, minha caixa de moedas antigas (tenho uma pequena coleção de moedas antigas de diversos países), uma câmera fotográfica quebrada, um mp3 e um mp4 quebrados, uma baqueta que ganhei em um show de uma banda cover do Matanza, meu microfone de computador, minha web cam, meu Game Boy Color (quase uma relíquia), um telefone velho, uma mochila que comprei numa conferência de meio ambiente, uns pôsteres muito antigos do Slipknot, Nightwish e System of a Down, os quais devo ter comprado quando tinha uns 14 anos, estes foram os substitutos das revistas do Pokémon.
E o mais engraçado foi encontrar uma caixa de papelão que continha: uma bola de golfe, uma corrente de prata, umas pulseiras de neon dessas que dão em festas, uma camiseta de uniforme do ensino fundamental toda assinada (que ridículo, eu fazia isso), um dvd de hentai lésbico e a Playboy da Luize Altenhofen (eu pirava de um jeito louco nas tatuagens dessa mulher).
UFA! Terminou? Não, não terminou. A parte engraçada foi encontrar a caixa com conteúdo adulto, mas a parte constrangedora foi encontrar um monte de folhas destacas, onde estavam escritos uma infinidade de textos e algumas "músicas", todos de minha autoria. É normal, depois que a gente cresce, achar tudo que fazíamos no mínimo ridículo. Mas mesmo assim, é normal, mas é ridículo! XD Eu não aguentava nem terminar de ler a maioria dos textos. E as "músicas", pelo amor de deus, o que era aquilo!? Sinceramente, que bom que a gente evolui, que bom que a gente muda muito com o passar do tempo.
Acabou que não encontrei a reservista, e tudo que posso fazer é ir amanhã na junta militar ver o que pode ser feito. Pois preciso de um documento que comprove que estou em dia com o serviço militar, para fazer a matrícula. E até consegui jogar bastante coisa fora, todo os panfletos, alguns xerox do técnico, poucas coisas quebradas e, sem hesitar, todos aqueles textos e "músicas" ridículos que escrevi quando mais novo. A prateleira agora aparenta estar bem mais leve, mas não tão leve quanto minha consciência está, em saber que aquela baboseira toda foi pro lixo.
Evolution rules! Garda-tralhas sucks...