Noite passada teve assassinato em massa. Hoje de manhã, assim que cheguei ao trabalho, fui ao banheiro lavar o rosto e me deparei com dezenas de corpos espalhados pela parede. Empilhados, encolhidos e mutilados em diversos pontos da extensão que percorre o azulejo cinza, responsável por demarcar o meio da parede. Me pergunto até agora quem foi o assassino, quem foi o desalmado portador do inseticida letal. Quem violou a paz e a harmonia organizada da sociedade de formigas do banheiro do segundo andar da empresa. É provável que eu nunca saiba, pois, obviamente, um "formicídio" nunca será digno de investigações conduzidas por detetives, peritos e forenses. Os corpos não serão reconhecidos pelas famílias e os indigentes não serão nem ao menos enterrados como tais. Os minúsculos corpos jazerão exatamente no mesmo lugar onde suas vidas lhes foram arrancadas. Até que a senhora responsável pela limpeza lave o banheiro e apague das paredes todos os indícios e vítimas do cruel assassinato em massa da noite de terça-feira.
Sei que é meio difícil de ver, pois as fotos são de celular. Mas todos esses pontinhos são formigas mortas. |
Aquilo que não vemos, ouvimos ou sentimos o cheiro, não nos atinge. Formigas não gritam de dor e, quando morrem, não ficam estateladas no chão abatidas e ensanguentadas. Assim como seu estágio de putrefação post mortem, não exala nenhum aroma fétido. As formigas vão continuar perecendo a sua volta e sua morte sempre será ignorada. É natural. Assim como é natural o fato de que haverá ocasiões em que cães, cavalos e elefantes morrerão em seu entorno e, essas sim, não passarão despercebidas. Os berros de agonia, o sangue esvaindo-se e o fedor da podridão, serão quase insuportaveis, uma afronta a seus sentidos.
Ps': É claro, grande parte disso tudo é sentido figurado. O gostoso é a interpretação individual.
Ps": Mas o formicídio foi real, eu estive andando entre os cadáveres.