Aqui sentado nessa cadeira, na frente dessa mesa, onde repousa esse copo, que carrega essa cerveja, que bebo de gole em gole. Aqui, entre essa conversa e aquela, entre esse assunto e o outro, entre esse papo que vem e aquele que já foi, eu fico a sonhar.
Sonho com um tempo que só ouço falar, um que passou e eu não vi pois não estava lá. Um tempo em que, pelo que dizem por aí, a gente saía do trabalho a pé, encontrava os camaradas nas esquinas e seguia pra o boteco que ficava logo ali na frente. O bom amigo garçom já descia aquela que a gente gosta, naquele precinho camarada que nem esses que sentavam na mesa com a gente e faziam prosa.
Nesse tempo que sonho, também pelo que dizem, quando a cervejinha subia e chegava a hora de zarpar, não tinha perrengue. Era só levantar, pagar a sua ou pendurar e seguir seu rumo, cambaleando pelas ruelas de paralelepípedos sem pressa nem medo.
Correr pra quê? Pra tropeçar nas pernas? Não senhor, devagar a gente chega lá, nada nos afronta, nos impede e nos aguarda. A não ser a cama macia esperando pra a gente arriar nela, toda carinhosa, macia e sempre presente. Isso se o que espera não for os braços, os abraços e o cafuné de quem a gente gosta.
Sonho bom esse, viu. Alegra a ideia, mas depois entristece quando a gente percebe que é só sonho mesmo. Que agora que a cervejinha subiu, vou ali pagar a conta no dinheiro, se não tiver tem que ser no cartão mesmo. E se os camaradas estiverem na mesma e não tiver um pra levar o resto, ou se arrisca com o carro por essas ruas ou chama um táxi que te leva pra casa. E com ele os olhos da tua cara, do preço que ele vai cobrar!
Ir a pé nem pensar, é pedir pra ser roubado. Te levam as calças, as meias e até as cuecas, e não dá não pra ver. Se não lhe quebram a fuça na mão mesmo ou estripam na ponta da faca. Isso quando o bandido já não vem armado até os dentes e já manda uma na testa sem pensar duas vezes.
Ah esse tempo viu, tempo que eu nem vi. Como faz pra voltar nele? Porque esse de hoje, na gente só dá tristeza.
3 comentários:
vou definir em apenas uma palavra pra não falar besteira: ADORÁVEL!
-linguagem, o sentimento todo, enfim, ótimo texto-
concordo com o nosso colega acima... adoravelmente deliciosa leitura
espero mais como esta
Eu vivi. Vivi um tempo que as pessoas falavam com as outras na rua e não se assustavam umas com as outras, não existia tanta desconfiança nos olhares, nos corações. Onde se matavam desconhecidos só nas guerras. Um tempo em que as crianças passavam as manhães ou tardes na escola e dormiam à noite, em vez de perambularem pelos sinais de trânsito vendendo coisas ou pedindo esmolas para depois entregarem tudo a um adulto.
Foi-se o tempo que a cerveja era tão honesta quanto os amigos...
bjs
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